domingo, 16 de janeiro de 2011

Entrevista Cid Teixeira

Entrevista Cid Teixeira - Por Gabriel Carvalho, na Revista Viver Bahia

Nascido em 11 de novembro de 1924, numa terça-feira ensolarada, o historiador soteropolitano Cid José Teixeira Cavalcante é um dos mais ilustres personagens da história recente da Bahia. Em 1948 formou-se em direito pela UFBA. Apesar disso, não foi nos fóruns e tribunais que ele se destacou. A advocacia foi preterida em nome de diversas outras funções como guia de turismo, repórter, doutor, professor, dentre muitas atividades que exerceu. Ensinou nas universidades Católica de Salvador e Federal da Bahia e também teve passagem importante pelo rádio. Em entrevista exclusiva à Revista Viver Bahia, Cid Teixeira falou sobre as mudanças ocorridas na geografia, na música e também na cultura baiana no último século.

Viver Bahia – Em primeiro lugar, eu queria ouvir do senhor um resumo da sua vida profissional.

Cid TeixeiraEnsinou e escreveu, nada mais aconteceu. Afrânio Peixoto que mandou colocar isso no túmulo dele. Bem (pausa), eu comecei a ensinar em ginásio, ainda no primeiro ano de faculdade. Eram ginásios particulares. O primeiro foi o São Salvador e o segundo foi o Ginásio Brasil. Nenhum desses existe mais. Depois fiz concurso para o Ginásio da Bahia, onde passei a ensinar história. Estive também no Instituto Normal e (Colégio Estadual) Severino Vieira. Depois fui admitido como assistente voluntário da Escola de Belas Artes e fiz concurso para Docente Livre da Universidade Federal. Nessa altura, me formei em Direito e passei um tempo advogando, depois larguei a advocacia. Também passei pela Universidade Católica e, - não dê risada não viu? – também ensinei História para padres num curso de seminário. Me aposentei aos 70 anos.
VB- Por que deixou a carreira jurídica?

CT – Não dava tempo para fazer as duas coisas. Não podia ser bem medíocre e tive de fazer uma opção.

VB- O senhor teve uma longa carreira de historiador e de educador, mas também houve uma passagem pelo rádio não é?

CT- Meu grande orgulho é o rádio, porque eu acho que fazer a educação pelo rádio é a grande saída, é a grande solução. Não creio que o ideal seja deixar o sujeito sentado durante 40 minutos ouvindo o outro falar. No rádio você aprende, sentado, deitado, dormindo, montado...

VB - Como foi essa passagem?

CT- Primeiro colaborei com as emissoras, sobretudo na Rádio Cultura. Colaborei também com a fundação do Irdeb (Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia), onde eu fazia alguns programas radiofônicos e onde fiz grandes amigos como o radialista Perfilino Neto. No rádio, você também fica amigo de quem você nunca viu. Depois, começaram as interferências políticas. – Tem que entrevistar não sei quem (sic), tem que dar uma colher de chá para o secretário não sei das quantas. Aí, eu peguei minhas coisas e disse: boa viagem.

VB- Nesse período que o senhor passou pelas salas de aula e pelo rádio, muitas coisas mudaram em Salvador, o que se destaca nessas mudanças?

CT- Tudo. Mas não foi para melhor e nem para o pior. O Pelourinho hoje é Pelô. Antes era Maciel de Baixo, Maciel de cima... Pelô agora é tudo aquilo ali. Onde estou aqui sentado conversando com você (Pituba) era uma fazenda cheia de bois. A cidade só ia até o fim de linha de Amaralina, o resto eram as fazendas de ‘seo’ Juventino (Silva),de Manuel Dias da Silva. Essa parte de cá, incluindo Brotas era toda rural. A (Avenida) Suburbana, o Lobato, São Thomé de Paripe, Escada, eram todos bairros residenciais. Para você ter uma idéia, aos meus oito anos de idade, meu pai alugou um saveiro para veranearmos em Itapuã. Na época esse era o único acesso àquela parte da cidade.


Meu grande orgulho é o rádio, porque eu acho que fazer a educação pelo rádio é a grande saída, é a grande solução. Não creio que o ideal seja deixar o sujeito sentado durante 40 minutos ouvindo o outro falar.


VB- Nessa época, o saveiro uma importante função econômica não é?

CT- Sim, aquela rampa do Mercado (Modelo) era o ponto de concentração de saveiros de todo o Recôncavo. Jaguaripe, Nazaré, Cachoeira, São Félix, Ilha de Maré... A Baía de Todos-os-Santos era colorida de tantas velas de saveiros.

VB – Voltando a Itapuã, podemos dizer que Dorival Caymmi imortalizou o bairro?

CT- Ele que colocou Itapuã na ordem do dia. Ele morou na Rua do Bângala e foi quem cantou Itapuã e a colocou para todos saberem de sua existência. Ele é o grande publicitário da importância urbana de Itapuã.

VB – Algumas pessoas dizem que as canções dele ajudaram a construir uma imagem de que o baiano é preguiçoso...

CT – Não concordo. Desde quando o baiano é preguiçoso? Qual a diferença ente ser baiano, paraense ou gaúcho?

VB- Mas Jorge Amado construiu vários personagens. Eles têm a cara da Bahia?

CT- Eu tenho uma tese que não é muito de acordo com o que se pensa. Eu acho que Jorge Amado é tão romancista como sociólogo. Os livros dele são pesquisas em torno de ações, atitudes e modos de ser da vida baiana. Capitães da Areia é uma realidade do menino abandonado na beira do cais. É uma obra de ficção, mas com personagens reais. É preciso trabalhar Jorge (Amado), sob o ponto de vista sociológico e não só sob o ponto de vista literário.

VB- Ainda hoje, a Bahia ainda desperta muito encanto no imaginário das pessoas de outros lugares do Brasil e do mundo, por que isso ocorre?

CT- As pessoas acreditavam e ainda acreditam que a Bahia se conservou. Apesar de todas as invasões do progresso, e isso tem que acontecer, permaneceu um sentimento de baianidade. Um carioca, um gaúcho, um catarinense, um paulista, eles todos se parecem entre si, mas um baiano se faz diferente e isso não mudou.

Desde quando o baiano é preguiçoso? Qual a diferença ente ser baiano, paraense ou gaúcho?

VB- E por que isso não mudou?

CT- Graças a Deus, graças a Deus.

VB- E a música baiana mudou?

CT- Você tem Assis Valente, José de Barros, Caymmi e grandes nomes que se projetaram. Os de fora, como Ary Barroso, usaram a Bahia como tema de seu trabalho. A música baiana, com toda influência africana e o samba-de-roda permaneceu a mesma. Hoje falam em Axé Music. Axé Music não é coisa nenhuma. Desculpa os que acham o contrário, mas Axé é uma palavra sagrada, mítica, da religião nagô, que passou a ser banalizada como um gênero de música que nada mais é do que um batuque africano.

VB- A Bahia importou muitos aspectos culturais da África e se tornou um lugar de identidade única. Como isso ocorreu?

CT- Salvador foi o maior receptor da cultura africana no mundo. Eles (os escravos) não vieram só para puxar enxada. Eles trouxeram consigo, a linguagem, o jeito de ser... Vou te perguntar uma coisa: nunca lhe rezaram não? A herança dos orixás se fundiram ainda com a religiosidade do pré-descobrimento. Hoje, o catolicismo também convive harmoniosamente com as religiões de matriz africana.

VB – Então, podemos dizer que a Bahia tem vários lugares dentro dela...

CT- Sim. Se você vai a Barra, do (Rio) São Francisco, você não está na Bahia, você está em Barra. Se você vai ao Sul, no limite com o Espirito Santo, você está em outra Bahia. Essa Bahia afro, vatapá, caruru e orixá é a Bahia da cidade de Salvador e arredores.

VB- Por que isso ocorre?

CT- Quando ocorreu a abolição, o açúcar estava em declínio. Os proprietário de escravo não tinha condições de mantê-los comendo e dormindo e isso foi redesenhando a geografia do estado. O Pelourinho, por exemplo, era uma localidade nobre e começou a receber os descendentes de escravos do Recôncavo. Isso foi mudando o perfil socioeconômico da cidade. Os grã finos, por exemplo, saíram do Centro Histórico e foram morar na Barra, na Graça... A mesma coisa aconteceu na Pituba, que era uma localidade rural. Assim, surgiram as periferias, pois os mais pobres tiveram de se deslocar. A periferia de Salvador de hoje vai ser um reduto de arranha-céus no futuro. Quando eu vim morar na Pituba, isso aqui era um areal e só havia um ônibus no início. Para comprar pão era uma dificuldade.

VB - Por que não há essa projeção para o Centro Antigo da cidade?

CT – Lá pela metade do século XX, deixaram o Pelourinho se transformar em zona de prostíbulos, de malandragem. Depois, tentaram colocar aquela região exclusivamente como zona turística, sem nenhuma habitação. Esse foi um grande equívoco. Vendiam o Pelourinho como mercadoria e isso é não é auto-sustentável. Ninguém vai a um bairro só para ver casinhas coloridas. Outra coisa que é errada misturar o Pelourinho com escravo. Eu lhe dou um doce se você me der um registro de um escravo apanhando lá. Eles apanharam nas fazendas de engenho, mas nunca na via pública.

Vendiam o Pelourinho como mercadoria e isso é não é auto-sustentável. Ninguém vai a um bairro só para ver casinhas coloridas.

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