terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

O lado nada humano da tecnologia




Gabriel Carvalho

Em setembro de 2018, a Prefeitura de Salvador emitiu nota à imprensa contando uma novidade “pioneira na história”. Tratava-se do início das operações do Zona Azul Digital, onde, através de um aplicativo, o condutor de veículo baixaria a sua cartela para estacionamento em áreas regulamentadas pelo Poder Municipal. O texto informava ainda que a Serbet Estacionamentos foi a primeira empresa credenciada pela Superintendência de Trânsito de Salvador (Transalvador) para operar o dispositivo Estacionamento Digital na cidade. Entretanto, mais de 40 estão buscando o credenciamento a partir do edital encerrado alguns dias antes da publicação do release: 25 de setembro.

Inovações no serviço não faltam e, de fato, haverá certa comodidade para os motoristas, sobretudo nesta era onde até o dinheiro deixou de ser físico. No entanto, a Prefeitura não pensou nos efeitos colaterais que o novo sistema trará para parte dos moradores da cidade que tem a fama nacional de “Capital do Desemprego”.

Em janeiro deste ano, o Dieese – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – divulgou um balanço das vagas no mercado de trabalho no mês de outubro e o estudo revela que o índice de desemprego na região metropolitana de Salvador voltou a subir em outubro depois de seis meses em queda. A proporção das pessoas sem emprego na capital baiana passou de 19,7%, em setembro, para 20,4%.

E a conta deve aumentar com a Zona Azul Digital. Cerca de 800 guardadores de carros que atuam vendendo as cartelinhas nas esquinas podem engrossar a fila dos desempregados.

Terezinha de Jesus

São pessoas como dona Terezinha de Jesus, que já passou dos 50 e não tem nenhuma perspectiva de recolocação no mercado de trabalho. “Eu perdi minha força e a minha juventude na Zona Azul e agora não sei o que fazer”, relatou a guardadora que vive uma situação dramática.

Na cantiga de roda, Terezinha de Jesus foi atendida por três cavalheiros após a queda, mas a Terezinha da Zona Azul parece não ter outra opção que não seja o chão.

Ela e outros 20 a 30 guardadores de carro procuraram a ex-prefeita de Salvador e deputada federal Lídice da Mata para relatar a situação e o incômodo com a possibilidade de não ter mais como garantir o pão de cada dia para filhos, irmãos, pais e netos. A maioria já tem mais de 40 e a ambientação com a tecnologia parece algo muito, mais muito difícil. “São pessoas humildes, que têm pouca escolaridade e que terão dificuldades com a tecnologia”, chamou a atenção o servidor público Samuel Nonato, que é filho de um guardador de carro e espécie de porta-voz dos profissionais que não se sentem representados pelo sindicato da categoria.

A deputada federal Lídice da Mata alertou-os e disse que a chegada da tecnologia é irreversível, mas cobrou das autoridades uma alternativa aos trabalhadores que sofrerão e perderão suas rendas com o novo aplicativo.

O futuro a Deus pertence

O Sindicato dos Guardadores e Lavadores de Veículos Automotores do Estado da Bahia (Sindguarda), alerta que a implantação do sistema deveria ser feito de forma a garantir a manutenção dos empregos.

O presidente do Sindguarda, Melquisedeque Souza, afirmou que o sindicato está pronto para trabalhar como o novo sistema, que é bem-vindo, uma vez que “não prejudique o trabalho dos guardadores, já que muitos necessitam do trabalho para sustentar suas casas e suas famílias”.
Para ele, “o guardador é de extrema importância, principalmente pela segurança dos motoristas e do veículo. Sem alguém para observar os carros estacionados, o número de flanelinhas aumentará nas zonas azuis”, argumenta.

No entanto, a Prefeitura de Salvador não deixa claro qual o destino dessas pessoas.
No texto da prefeitura, o superintendente da Transalvador, Fabrizio Müller relata que “outra facilidade do sistema é a dispensa da procura por guardadores que comercializam a cartela de estacionamento”.

- Havia dependência da presença de guardadores, que não são servidores nem funcionários da Prefeitura, mas sindicalizados. Não conseguíamos ter controle de horário desses profissionais, que muitas vezes, quando procurados pelos cidadãos, estavam ausentes na comercialização da cartela. Situações como essas geraram, ao longo dos anos, muitos problemas, pontua o titular da autarquia de trânsito.

Robôs vão fazer empregos desaparecerem

Em matéria publicada no dia 28 de janeiro de 2019, a Folha de São Paulo alerta que 54% dos empregos formais deverão sumir em sete anos. Cerca de 30 milhões de profissionais serão substituídos por robôs que executarão as tarefas de pessoas em diversos segmentos. O estudo que serviu como base para a Folha é da Universidade de Brasília (UNB).  



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