quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Saúde dos Brasileiros

Maurício Barreto, Médico, PhD em Epidemiologia

No rastro da crescente importância do Brasil no cenário internacional, a revista inglesa The Lancet, a publicação médica mais influente do mundo, lançou em Brasília no ultimo dia 9 de maio uma série de seis artigos intitulada “A Saúde dos Brasileiros”. A expectativa dos Editores é de que “essa série realmente mostre porque o Brasil não só deve ser levado mais a sério pelas comunidades internacionais científicas e da saúde, como também deve ser admirado pela implementação de reformas que posicionaram a igualdade no acesso à saúde no centro da política nacional – uma conquista que muitos podem desejar para seus próprios países.”

Uma equipe brasileira de 29 especialistas em saúde pública (dos quais 5 baianos) preparou seis artigos científicos que descrevem a história da assistência a saúde no Brasil, com ênfase na implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), alem da evolução recente dos principais problemas de saúde que afligem nossa população, bem como dos seus determinantes. O Brasil vem passando por diversas transformações econômicas, sociais e ambientais. Mudanças positivas ocorreram em termos de vários determinantes sociais da saúde, incluindo aumento na escolaridade, redução na pobreza e melhorias na distribuição de renda, ampliação do acesso à água tratada e esgotamento sanitário e declínio da fecundidade. Como conseqüência dessas mudanças, assim como da ampliação da cobertura de serviços preventivos e curativos nas duas décadas após a criação do SUS, evidencia-se melhorias importantes nas condições de saúde e na expectativa de vida da população. A saúde e a nutrição das crianças brasileiras melhoraram rapidamente a partir dos anos 1980. Iniciativas de saúde pública resultaram em sucessos no controle das doenças preveníveis por vacinação, na diarréia, nas infecções respiratórias, no HIV/AIDS e na tuberculose. As taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas estão diminuindo.

No entanto, muitos e difíceis desafios ainda permanecem. Abortos ilegais são frequentes, a prematuridade aumenta e os partos são hipermedicalizados, com um a cada dois novos brasileiros nascendo por cesariana. Apesar de grandes reduções na mortalidade e na morbidade por doenças infecciosas, a dengue está fora de controle, em grande parte devido à degradação ambiental urbana. Observam-se tendências ao crescimento da obesidade, hipertensão e diabetes; as doenças psiquiátricas, particularmente a depressão, assim como a asma e alguns tipos de câncer, também mostram altas prevalências. A carga de doenças associadas à violência e às lesões físicas ainda permanece em patamares epidêmicos. As disparidades socioeconômicas e regionais são enormes e inaceitáveis, sinalizando que ainda é necessário avançar muito para melhorar a condição de vida de grande parte da população. A administração de um sistema público complexo e descentralizado, no qual grande parte dos serviços é prestada em razão de contratos com provedores privados, além da atuação de várias seguradoras privadas de saúde, acarreta, inevitavelmente, conflitos e contradições.

Enfim, embora importantes problemas de saúde estejam sendo reduzidos, muito ainda resta a ser feito para que todos os brasileiros atinjam níveis de saúde compatíveis com aqueles observados em países desenvolvidos. Conforme expresso na série, o desafio para a conquista de novos patamares de saúde dos brasileiros “é, em última análise, político e requer a participação ativa da sociedade, na perspectiva de assegurar o direito à saúde para toda a população brasileira”. Nesta direção, o conjunto de artigos culmina com uma série de desafios e uma convocatória para ação direcionada a todos os envolvidos nesta tarefa: governo, trabalhadores de saúde, setor privado, universidades e outras instituições de ensino e pesquisa, alem da sociedade civil.

A série de artigos (em inglês e português) pode ser encontrada no site http://www.thelancet.com/series/health-in-brazil


Mauricio L. Barreto
Médico, PhD em Epidemiologia
Professor Titular do ISC/UFBa,
Pesquisador 1-A do CNPq,
Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências
mauricio@ufba.br

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