quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O bloco racista ainda não faliu, infelizmente

Por Alexandre Santana*

Nos últimos dias, têm circulado notícias sobre o cancelamento de desfiles de blocos considerados tradicionais no carnaval de Salvador. Os mesmos blocos em que, há alguns anos, para ter o “privilégio” de ser associado era preciso preencher a uma ficha socioeconômica e anexar uma foto 3x4, em alguns casos. Ai já viu: pretos e moradores de bairros periféricos não eram aceitos. Pois bem. Os blocos, ao que parece, estão falidos. Mas os seus foliões racistas continuam por aí.

Ontem (31/01/2017) fui ao cinema com a minha companheira Thaís da Paixão assistir ao documentário “Axé – Canto do Povo de um Lugar” (por sinal, parabéns a Chico Kertész, James Martins e à turma da Macaco Gordo pelo excelente material; talvez escreva minhas impressões sobre o filme depois) e tivemos momentos tensos antes de poder sentar e desfrutar do nosso lazer.

Chegamos quase no horário do filme e corremos para comprar os ingressos no guichê eletrônico. Confesso que fiquei feliz em ver que praticamente todos os lugares já estavam reservados para assistir a uma produção local. Por isso, só conseguimos comprar os lugares D 8 e D9, fila que, apesar de ficar na parte da frente, nos garante uma boa e confortável visão da tela.

Por conta da demora do atendimento na fila da pipoca, quando entramos na sala o filme já havia começado. Procuramos nossos lugares e percebemos que eles já estavam ocupados por duas senhoras com cara de folionas dos blocos racistas falidos. Nos dirigimos às mesmas e mostramos que aqueles lugares tinham sido comprados por nós. Primeiro elas fizeram cara de paisagem, depois quiseram meter o “migué” de que estavam nos assentos certos sim. Foi aí que eu tirei os ingressos do bolso, acendi a lanterna do celular e provei que elas estavam erradas.

Para minha surpresa, as duas resistiram e disseram que era pra gente sentar na fileira de trás, que ainda não estava ocupada. Educamente, expliquei para ela que praticamente todas as cadeiras já estavam compradas e que, se alguém deveria trocar de lugar, deveriam ser elas. Aí as duas senhoras loiras que inclusive carregavam sacolas de lojas de grife não gostaram e disseram que era um absurdo. Thaís então disse pra elas que a gente iria sentar ali e pronto. “É muito desaforo”, disparou uma delas. Já pegando ar e me controlando para não perder a razão, pedi novamente para que se levantassem.

Foi aí que, olhando para Thaís de cima abaixo e com ar de desprezo, uma delas soltou: “veja bem, acho que você não está acostumada a frequentar cinema, teatro, esses lugares...” Amigos, confesso que a minha vontade foi de apenas dar um monte de murro na cara dela (enquanto escrevo meu sangue ainda ferve), mas me controlei e apenas questionei: “Não entendi por quê a senhora se dirigiu a ela nesse tom. Porque você acha que ela não frenquenta cinemas?” Acho que ela naquele momento ela lembrou que racismo é crime, engoliu a arrogância e se picou para sentar em outro lugar.

Levamos alguns minutos para digerir aquilo tudo. Um casal de idosos que estava sentado ao nosso lado – e que foi atrapalhado de assistir ao filme por causa da confusão – esperou a sessão acabar para nos dizer que gostaram da nossa postura e que perceberam o tom racista daquelas mulheres. Voltamos para casa e não tocamos no assunto. Mas dormi e acordei ainda com ódio das folinas racistas dos blocos falidos que continuam tentanto nos empurrar para fora da corda.

Ps: se você leu até o final e acha que a gente vê racismo em tudo, vá se lenhar!

*Alexandre Santana é jornalista, músico e uma figura super do bem

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