Aurelio Nunes, do UOL
Passado mais de um ano da divulgação do resultado do edital do projeto Capoeira Viva 2007, 32 dos 108 dos contemplados - 30% do total - ainda esperam o pagamento da segunda parcela do prêmio, que deveria ter sido quitada em janeiro.
Idealizado pelo Ministério da Cultura em 2006 por meio da Lei Rouanet, a segunda edição do Capoeira Viva foi executada pela Fundação Gregório de Mattos, com patrocínio da Petrobras no valor de R$ 1,2 milhão.
O resultado foi divulgado em 4 de abril de 2008. Os capoeiristas tiveram 30 dias para reunir a documentação, mas só receberam a primeira parcela cinco meses depois. "Cada pessoa ou instituição com quem a gente conversou tem uma justificativa diferente", reclama Gilson Fernandes, 58, mais conhecido como mestre Lua Rasta, que, em março uniu-se a outros 37 contemplados em um manifesto assinado por entidades, grupos ou pesquisadores de 17 Estados das cinco regiões do País, todos descontentes não só com os atrasos no repasse da verba, mas com a falta de diálogo da entidade gestora.
Proprietário de um atelier de instrumentos de percussão que leva seu nome, no Pelourinho, Mestre Lua Rasta diz que os atrasos comprometeram a execução dos dois projetos que teve aprovados no edital: Meninos do Campo Formoso, oficina de instrumentos para crianças em situação de risco do bairro situado no município de Mar Grande, na Ilha de Itaparica, e o Teatro Mestre Lua."Os meninos se dispersaram.
O Teatro foi filmado e virou um documentário que eu tive de finalizar com dinheiro do próprio bolso, pois contratei um profissional e não poderia ficar esperando a verba chegar", disparou.No dia 13 de março, em resposta ao manifesto, a FGM divulgou nota oficial em que atribuiu o atraso ao extravio de pedido de execução do projeto Capoeira Viva/2007, documento enviado ao Minc no dia 20 de novembro de 2008, fato que a entidade só tomou conhecimento em fevereiro deste ano.
No entanto, comunicação interna do Minc à qual a reportagem do UOL Esporte teve acesso atesta que a FGM, proponente do projeto, estava inadimplente com o ministério, situação que só foi solucionada no dia 20 de março, o que obrigou a prorrogação o prazo de execução dos projetos para 31 de julho de 2009.Em resposta a um questionário de 10 perguntas enviado pelo UOL Esporte, a assessoria de comunicação da FGM admitiu que esteve inadimplente com o MINC, "mas nunca por uso indevido da verba, apenas por mal gerenciamento desse projeto pela gestão da FGM naquele momento", diz.
Maratona burocrática
Oficialmente, o Minc diz que a FGM estava "inabilitada por problemas administrativos referentes à prorrogação do prazo de encerramento do projeto na Lei Rouanet". A assessoria de comunicação do Ministério da Cultura declarou ainda que "resolvido o problema, a segunda parcela começou a ser paga em abril e 70% dos premiados já receberam, segundo informação da FGM, e os demais premiados, por problemas documentais, ainda não receberam a quantia".
Não é o que diz a pedagoga Maria Luisa Pimenta Neves, 35, contemplada pelo projeto Capoeira Nossa cor, que promoveu oficinas de confecção de berimbau e caxixi para crianças do município de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador.Lilu, como é mais conhecida nas rodas de capoeira, disse que não consegue receber a segunda parcela mesmo estando apta desde o dia 3 de abril porque o novo diretor do departamento financeiro foi exonerado e o atual responsável pelo setor só poderá assinar cheques quando sua nomeação for publicada no Diário Oficial.
"No dia Dia 2 de abril recebi uma ligação de uma funcionária da FGM que me fez a seguinte pergunta: 'Luisa, você não quer receber seu dinheiro, não?.' Me pediu um comprovante de residência, que eu já havia entregue, e no dia seguinte me mandou um e.mail dizendo que meu processo já estava no financeiro. Até hoje não vi a cor desse dinheiro", reclama.
Lilu diz que esta é apenas uma das confusões criadas pelas constantes mudanças feitas nos quadros da FGM. Ela lembra que durante o período de prestação de contas da primeira parcela foi orientada a recolher pagamento de ISS para si própria, e que só depois descobriu que isso não era necessário, bastava uma declaração afirmando que eu era a coordenadora do projeto. "Fomos submetidos a uma verdadeira maratona burocrática", reclama.A FGM reconhece o erro. "Infelizmente houve realmente, nesse caso, falta de uma boa comunicação entre a equipe responsável pelo Capoeira Viva, contratada especificamente para este projeto, e setor financeiro da Fundação, o que acabou gerando esse desconforto. Nada feito de forma proposital, apenas um engano cometido. Engano pelo o qual lamentamos muito, pedimos desculpas aos prejudicados".
Para a jornalista Maria Lúcia Correia Lima de Souza, 56, as desculpas da FGM podem não ser suficientes. Presidente da Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA), Maria Lúcia é roteirista do documentário Mandinga em Manhattan, dirigido por Lázaro Faria.
Das entrevistas coletadas para o filme, teve a idéia de lançar o projeto "Mandinga em Manhattan, o livro", que acabou contemplado com R$ 9 mil pelo Capoeira viva 2007, metade dos quais ainda não recebidos."Não é o meu caso, mas nós soubemos de vários projetos que ficaram comprometidos porque dependiam de condições que não podem ser recriadas agora", argumenta.
Evangivaldo Palma de Azevedo Filho, 31, o Gigante, ilustra bem a situação. Seu projeto Capoeira, Resistência, Tradição e Preservação, propunha o replantio de mudas de biribá, árvore de onde é extraída a madeira para a confecção do berimbau, na Ilha de Itaparica. "Trabalhamos com algumas crianças em situação de risco social da Ilha de Itaparica. Sem verba, o projeto parou e as crianças sumiram".
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